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A Riqueza Escondida na Linguagem



A Riqueza Escondida na Linguagem

 

Os paralelos entre os versículos de Gênesis 2:17, "... porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás." e Gênesis 3:4, "... certamente que não morrereis." são de grande relevância e merecem uma análise detalhada. Esses dois trechos destacam a profundidade e a riqueza do texto hebraico original ao apresentar uma construção gramatical semelhante, mas com significados diametralmente opostos. Isso ressalta o contraste entre a ordem divina e a mentira da serpente.


Em Gênesis 2:17, a expressão "certamente morrerás" é traduzida do hebraico mot tamut, “morrer, morrerás”. Essa construção combina o infinitivo absoluto mot com o verbo conjugado tamut, uma estrutura literária característica do hebraico bíblico que serve para enfatizar a intensidade ou certeza de uma ação. Esse recurso gramatical sublinha a seriedade do mandamento de Deus, deixando claro que a desobediência resultaria inevitavelmente em morte.
 

Já em Gênesis 3:4, a serpente contradiz a ordem divina ao afirmar: "certamente que não morrereis", traduzido do hebraico lo mot temutun, “não morrer, morrereis”. Aqui, a serpente emprega a mesma construção gramatical de Gênesis 2:17, mas acrescenta a palavra lo, que significa "não". Essa negação explícita desafia diretamente a verdade divina e cria um contraste literário e teológico profundo entre a veracidade da ordem de Deus e a falsidade manipuladora da serpente.
 

Esse contraste não é apenas linguístico, mas também temático. A similaridade estrutural entre os dois versículos realça o conflito central da narrativa: a escolha entre a obediência à verdade divina e a aceitação da mentira que conduz à queda. A repetição gramatical reforça a gravidade da afirmação de Deus e a astúcia das palavras da serpente, mostrando o impacto transformador da decisão humana.
 

Um exemplo adicional que ilustra a riqueza dessa construção estilística pode ser encontrado em Isaías 6.9. Quando Deus chama o profeta Isaías, Ele declara: "Ouvindo, ouvireis, mas não entendereis; e vendo, vereis, mas não percebereis". No hebraico, shamoa tishme'u velo tavinu, u'reo yir'u velo teidau, “ouvir, ouvireis, mas não entendereis; ver, vereis, mas não percebereis” o infinitivo absoluto combinado com o verbo conjugado enfatiza a persistência do ato de ouvir e ver, contrapondo-os à incapacidade de entender e perceber. Esse recurso ressalta a intensidade da mensagem divina, mesmo diante da resistência humana.
 

Outro exemplo é encontrado em Êxodo 15.26, onde Deus diz: "Se ouvires diligentemente a voz do Senhor teu Deus..." No hebraico: shamoa tishma, “ouvir, ouvireis”. Aqui, o uso do infinitivo absoluto shamoa (ouvir) enfatiza a importância de uma obediência cuidadosa e contínua, essencial para experimentar as bênçãos de Deus.
 

Assim, uma análise detalhada desses paralelos revela a intencionalidade de Moisés em destacar a gravidade da ordem divina e a astúcia da serpente. Essa abordagem literária não apenas valoriza a narrativa, mas também convida o leitor a refletir profundamente sobre os temas de verdade e engano, obediência e desobediência. Cada nuance linguística contribui significativamente para a riqueza teológica do texto original, muitas vezes atenuadas em traduções modernas.
 

Não é fascinante perceber como cada elemento reforça a mensagem central?
 

Soraya Mahmud Abdulhamid