Entenda como a Bíblia vê o aluno, o professor, o método e o currículo
“Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” Colossenses 2.8.
INTRODUÇÃO
Em nossos dias, temos acesso fácil a qualquer tipo de informação. Livros, pesquisas na internet, palestras, congressos, enfim, há fontes de conhecimento disponíveis em vários lugares. Todos podem pesquisar sobre tudo. Recebemos o resultado de um exame e podemos pesquisar na internet quais as implicações do resultado, antes mesmo de apresentá-lo ao médico. Toda essa facilidade pode nos dar a falsa impressão de que quanto mais tivermos informações a respeito de educação, poderemos garantir uma prática eficiente nos pequenos grupos, escolas bíblicas e até mesmo em escolas cristãs. Entretanto, todo esse conhecimento em educação[1], nos leva a uma prática educacional segundo a Bíblia?
Os profissionais cristãos envolvidos na educação: pedagogos, psicólogos, psicopedagogos, professores de diversas áreas, etc, são formados em faculdades não-cristãs e podem assimilar uma visão secularizada de educação por aprenderem em uma base filosófica contrária a cosmovisão cristã. É importante ressaltar que “para o cristão uma cosmovisão cristã vai expressar dois pontos fundamentais: 1) abriga o entendimento do universo como criação de Deus. 2) aborda a todas as esferas de conhecimento, possíveis de estarem presentes na humanidade, como procedentes do Deus único e verdadeiro, Senhor do universo” (Portela, 2012, p.149).
Para que possamos detectar práticas educacionais contrárias a uma cosmovisão cristã, é preciso entender o que a Bíblia tem a nos ensinar sobre educação.
1. Não há neutralidade no ensino
Não há neutralidade em nenhum método de ensino e muito menos em quem ensina. “Não há pessoa neutra e, por consequência, educador neutro. Ser professor significa “professar” uma visão de mundo” (Inêz Borges, 2008, p.41). Por isso, a igreja deve saber que ao escolher uma prática, irá expressar uma filosofia e portanto deve refletir sobre que base filosófica tem alicerçado sua prática. A igreja deve também considerar o que os seus membros, adultos ou crianças estão aprendendo nas horas que passam nas escolas de ensino fundamental, universidades, etc, e refletir sobre como pode ensinar este membro “...no caminho que deve andar ...” (Provérbios 22.6). Cada cristão deve conhecer o que a Bíblia tem a ensinar sobre uma prática educacional correta para que seja levado “... cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Coríntios 10.5).
2. O QUE É FILOSOFIA DE EDUCAÇÃO?
Vamos observar as definições abaixo a partir da afirmação de que toda prática educacional repousa em uma filosofia educacional.
Filosofia: Grego amar e sabedoria; L. philosophia.
1. Literalmente, o amor à sabedoria. Mas na aceitação moderna, filosofia é o termo genérico que denota uma explicação da razão das coisas; ou uma investigação das causas de todos os fenômenos tanto da mente quanto da matéria.
2. Raciocínio; argumentação.
literalmente, amor a sabedoria. (Webster, 1828).
Educação: “A Educação compreende toda uma série de instrução e disciplina com a intenção de iluminar o entendimento, corrigir o temperamento e formar as maneiras e hábitos dos jovens para que sejam úteis em suas futuras ocupações.” (Webster, 1828).
Segundo Normam DeJong[2], de acordo com as respostas dadas as perguntas abaixo, formularemos a nossa filosofia educacional.
Avaliação |
Quão bem estão sendo feitas as coisas? |
Implementação |
Com que recursos, ferramentas e métodos serão implementados os propósitos e alvos da educação? |
Organização estrutural |
Em quais estruturas e por quais agentes esses propósitos serão realizados? |
Propósitos e alvos |
Quais os propósitos e alvos da educação? |
Natureza das pessoas |
O que ou quem são as pessoas? |
Base de autoridade |
Qual é a base sobre qual repousa todo o pensamento? |
“A filosofia examina quais os compromissos primários que firmamos com relação às nossas crenças, e como nossos entendimentos passam a ser compreendidos como conhecimentos, conceitos que formam a nossa cosmovisão” (Paul Spears, ACSI, 2003, p.11).
Passemos então a análise da estrutura filosófica educacional bíblica.
2.1 - BASE DE AUTORIDADE – A BÍBLIA
Entendemos que a palavra de Deus é aplicável a todas as pessoas, de todas as épocas e de todas as culturas. Na palavra de Deus, podemos encontrar os princípios que devem guiar e orientar nossa conduta em todos os aspectos de sua vida (2Timóteo 3.16-17).
“A mesma Bíblia que governa a nossa vida espiritual se aplica a nossa vida acadêmica. A filosofia da vida cristã é a filosofia da educação cristã.”[3] A palavra de Deus é a nossa base de autoridade para todo e qualquer processo educacional. A verdadeira sabedoria vem de Deus “em quem todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos” (Cl 2.3).
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17). Isso significa que o método, o currículo, objetivos e tudo o que compõe uma filosofia educacional deve ter como base os princípios bíblicos.
2.2 - NATUREZA DAS PESSOAS
O homem é criado por Deus a sua imagem e semelhança (Gn 1.26). Porém, é pecador e necessita de salvação e transformação (Rm 3.23). O homem é responsável diante de Deus por seus atos (Rm 14.12). É amado por Deus e por ele Jesus morreu (Jo 3.16).
2.3 - PROPÓSITOS E ALVOS
“É impossível desenvolver qualquer missão cristã objetiva sem levar em consideração as ordens bíblicas como ‘sede santos’ (Lv 20.7; 1Pe 1.16), ‘fazei tudo para a glória de Deus’ (1Co 10.31), e a própria comissão nos Evangelhos (Mt 28.19-20). A declaração do primeiro grande mandamento, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, fala-nos da necessidade de amar a Deus com a essência e a integridade do ser...”[4] “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento[5]...” (Lc10.27). A palavra “entendimento” aqui, nos dá a ideia de um pensamento prático, criativo e reflexivo. Isso significa que o homem deve amar a Deus com tudo o que ele é, inclusive com o que ele “cria”[6] e reflete. Assim, os propósitos e alvos tem que dar respostas às perguntas: Como este propósito glorificam a Deus? Como cooperam para a expansão do reino de Deus?
Seja em uma escola bíblica ou secular, os propósitos da educação devem ser a glória de Deus.
2.4 - ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL
A Bíblia nos dá princípios da organização estrutural da educação: a infraestrutura e as pessoas.
Vamos observar os momentos e locais de ensino descritos no Antigo Testamento e Novo Testamento:
|
Professor |
Local |
Referência bíblica |
Antigo Testamento |
Deus (Gn 2.16.17) |
Jardim do Éden |
Gênesis 3.8 |
Pais (Êx 12.26) |
Lar |
Deuteronômio 6.6-7 |
|
Profetas (1Rs 2.9) |
Casa dos profetas |
2Reis 6.1-4 |
|
Escribas (Ed 7.10) |
Sinagogas |
Mateus 12.9 |
|
Novo Testamento |
Jesus (Jo 13.13) |
Onde tivesse pessoas |
Mateus 7.28-29 |
Apóstolos (At 2.42) |
Jerusalém... até os confins do mundo |
Atos 15.6 |
Sobre as pessoas que fazem parte da estrutura organizacional, podemos citar os professores, alunos e pais, além de todos os funcionários envolvidos em uma escola.
O professor deve possuir um chamado para esse ministério (Efésios 4.11). Deve se esmerar no que faz (Romanos 12.7).
Sobre o relacionamento entre aluno e professor, a Bíblia nos ensina: “O discípulo não está acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído será como o seu mestre” (Lucas 6.40). Isso significa que o discípulo[7] ou aluno, deveria ser ensinado ao ponto de se tornar mestre. O mestre deve ser o exemplo a ser seguido e alcançado.
Aos pais cabe a função de educar (Deuteronômio 6.2) de maneira que este ensino seja estendido às gerações. Os pais ao colocarem os filhos em escolas seculares ou bíblicas, estão, em outras palavras dizendo: “Vocês podem colaborar na educação do meu filho.”
Sobre a estrutura física de um ambiente educacional, podemos achar na palavra de Deus princípios que norteiam as ações neste sentido. Em 2Reis 6.1-4, há uma referência a “Casa dos profetas”[8]. O texto nos dá um princípio de organização e trabalho. Os profetas entenderam a necessidade de um espaço maior para aprenderem, onde todos pudessem estar confortáveis. Outro princípio é o de que os próprios profetas, trabalhavam para a organização e preservação do lugar onde havia ensino. Assim aprendemos que o local onde acontece a educação institucionalizada deve ser adequado para a quantidade de pessoas e que as pessoas que frequentam são responsáveis pela preservação e cuidado deste local.
Os funcionários, professores e alunos, também devem estar atentos ao princípio da mordomia. Em Marcos 8.8, os discípulos recolheram os pedaços de pães que sobraram. Esta passagem nos ensina que devemos administrar bem os recursos que temos evitando o desperdício. Assim, podemos afirmar que a estrutura escolar além de ser adequada em tamanho e organização, onde os próprios agentes desse processo são os responsáveis pelo cuidado e preservação, também deve ser um ambiente que exclua o desperdício.
2.5 - IMPLEMENTAÇÃO
“A revelação específica da Escritura e a revelação geral do mundo natural são as fontes de conhecimento complementar disponível para o aluno” (AECEP, p.17).
Na educação bíblica e na secular, podemos utilizar de materiais instrucionais, porém, precisam ser avaliados a luz da palavra de Deus (Salmo 32.8). Porém, é preciso que as disciplinas sejam estudadas com excelência, considerando que tudo o que fazemos é para a glória do Senhor.
Área do conhecimento |
Cosmovisão bíblica |
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Matemática |
A criação é governada por leis matemáticas, por sequências lógicas (Salmo 19.1-2). |
Domínio sobre a criação (Gênesis 1.28). |
Ciência |
Deus é o criador de todas as coisas. Pela Sua palavra tudo foi criado (Hebreus 11.3). |
Revelar a glória de Deus (Salmo 19.1). |
Saúde |
Nosso corpo deve ser cuidado porque é o templo do Espírito Santo de Deus (1Coríntios 6.19). |
Glorificar a Deus no nosso corpo (1Coríntios 6.20). |
Geografia |
Deus é o regente da história e das nações operando o seu plano soberano de forma linear, na Terra (Salmo 93.1-2).
|
O homem deve conhecer bem o planeta para que exerça domínio sobre a Terra (Gênesis 1.28). |
História |
Deus é Senhor da história e Ele governa os povos e nações por intermédio de sua providência (Salmo 22.28). |
O homem deve compreender nossa herança e patrimônio (Atos 17.26-27)[9] |
Estudos sociais e Sociologia |
O estudo das sociedades começa com a pessoa de Deus, que subsiste em um relacionamento social eterno na trindade (Gênesis 1.26). Deus ouve e fala para relacionar-se com o homem (Isaías 59.1). |
O homem deve propagar o evangelho a todas as pessoas e culturas (Mateus 28.19-20) e testemunhar na sociedade (Mateus 5.13-14). |
A filosofia que o método escolhido expressa, deve ser analisada para que não venha a entrar em contradição com os princípios da palavra de Deus.
2.6 - AVALIAÇÃO
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me, e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.” (Salmo 139.23)
A avaliação é fundamental na educação e deve ser entendida como parte do processo para o aperfeiçoamento. A avaliação não deve ter fim em sim mesma, antes deve ser o instrumento que irá direcionar o aluno avaliado para o caminho correto.
No salmo 139.23, Davi pede a Deus que o avalie e o prove. Toda essa avaliação tinha um propósito: chegar ao destino correto. Assim também a avaliação não deve ter o caráter punitivo, antes deve ser uma ferramenta poderosa para encontrar onde está o erro (“... vê se há em mim algum caminho mau...”) e conduzir o aluno ao que é certo (“... e guia-me pelo caminho eterno.”).
Conclusão
É importante que as igrejas, escolas e profissionais da área da educação, tenham maior cuidado com a filosofia que rege sua prática educacional. A palavra de Deus é completa e suficiente, ela nos dá os princípios necessários para entendermos o que o Senhor espera de nós educadores. Voltemos ao estudo da palavra do Senhor como fonte primária e superior a todo o conhecimento que podemos adquirir.
“Desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para a salvação.”
1Pedro 2.2
Bibliografia
ACSI – Fundamentos bíblicos e filosóficos da Educação.São Paulo: Associação Religiosa Imprensa da Fé, 2004.
AECEP – Fundamentos, conceitos e práticas em Educação por Princípios - Curso I
BORGES, Inez Augusto. Confessionalidade e construção ética na universidade. São Paulo: Editora Mackenzie, 2008.
Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2000.
Fides Reformata – Edição Especial – Volume XIII, número 2, 2008.
Igreja Ensinadora
PORTELA NETO, Francisco Solano. O que estão ensinando aos nossos filhos? Uma avaliação crítica da pedagogia contemporânea apresentando a resposta da educação escolar cristã. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012.
[1] Educação neste seminário irá abranger a cristã como a visão de educação que as escolas confessionais devem ter.
[2] Autor dos livros: “Educação na Verdade”; “Ensinando para uma Mudança” Dr. DeJong é pastor na OPC desde 1993. Antes disso, ele foi administrador de uma escola cristã e chefe de formação de professores no Trinity Christian College em Palos Heights, Illinois. Ele recebeu um Ph.D. em Filosofia Educacional pela Univ. de Iowa em 1972. O tema de sua dissertação foi “Um estudo da relação entre o Reino de Deus e a democracia”. Seu primeiro livro, Educação na Verdade, foi publicado em 1969 e ainda é usado.
[3] Paul Jehle – Palestra apresentada ao curso de Mestrado em Educação por Princípios – Flórida Christian University
[4] Mauro Meister - Fides Reformata – Edição Especial – Volume XIII, número 2, 2008, p.180.
[5] “Dianoia: entendimento, inteligência, mente, pensamento. [...] O ato ou faculdade de pensar e refletir. Aristóteles divide esta faculdade em praktike, poetike e theoretike, o pensamento prático, criativo e reflexivo. É a capacidade especialmente filosófica do pensamento e do entendimento teórico, em contraste com as percepções e sentimentos dos sentidos. [...] Dianoia também significa ‘modo de pensar’, ‘disposição’, ‘intenção’ ou ‘propósito’, ‘desígnio’. (Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, p.1920).
[6] Em aspas porque o homem só cria a partir das coisas já criadas por Deus. Neste sentido, o único Criador é o Nosso Senhor, o homem, na verdade utiliza da criação de Deus para “subcriar”.
[7] Do grego μαθητης - mathetes, que significa literalmente aprendiz. Denota aquele que aprende algo de alguém.
[8] A expressão “Casa dos profetas” ficou associada à formação e treinamento de novos líderes para que esses atuassem no meio do povo de Deus.
[9] Apostila AECEP (Paul Jehle).