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Não basta apenas manter a Tradição, é necessário restaurar o Coração




Não basta apenas manter a Tradição, é necessário restaurar o Coração
 

Os muros estavam de pé outra vez. Depois de décadas de abandono, vergonha e medo, Jerusalém finalmente respirava alívio. As pedras que por tanto tempo estiveram espalhadas pelo chão, agora formavam muralhas sólidas. Era como se a cidade dissesse ao mundo: “Voltamos. Ainda estamos aqui.”

Mas por dentro, algo ainda faltava.

A reconstrução das paredes não curou o vazio que havia no peito daquele povo. Eles tinham segurança, mas não tinham paz. Tinham muros, mas seus corações ainda estavam em ruínas. E foi então que fizeram um pedido raro, não queriam um desfile, nem um discurso político. Queriam a leitura do Livro da Lei.

Ali, na praça diante da Porta das Águas, homens, mulheres e crianças se reuniram como um só corpo. O escriba Esdras subiu numa plataforma de madeira, não para ser aplaudido, mas para que a Palavra fosse ouvida. Ele abriu o livro, e o povo ficou de pé. Era como se aquela multidão dissesse em silêncio: “Queremos ouvir o que Deus tem a dizer.”

E ele leu.

Leu por horas. Leu em voz alta. Leu com reverência. E enquanto ele lia, os levitas explicavam, verso por verso, palavra por palavra. O texto diz que a Lei foi lida e meforash, ou seja, explicada com clareza. Não era um ritual vazio. Era ensino vivo. Era como se Deus estivesse ali, no meio da praça, falando diretamente com cada coração.

Então o povo chorou.

Chorou porque entendeu. Chorou porque percebeu o quanto havia se afastado. Chorou porque a Palavra tinha feito o que só Ela pode fazer, expor as feridas escondidas e chamar à restauração.

Mas, num gesto surpreendente, Neemias e os líderes interrompem o choro. “Não se entristeçam”, dizem eles, “porque a alegria do Senhor é a força de vocês.”

Não é que o arrependimento fosse desprezado. Pelo contrário. Mas aquele era um dia de recomeço, e Deus, em sua misericórdia, queria que o povo celebrasse. Era o coração perdoador de Deus dizendo: “Vocês podem sorrir outra vez.”

Então veio a festa.

Ao ouvirem a Lei, descobriram que era tempo de celebrar a Festa das Cabanas. E, pela primeira vez em séculos, o povo não apenas lembrou da tradição. Eles a viveram. Montaram cabanas com ramos, comeram juntos, cantaram, riram. Obedeceram com alegria. O texto diz que não havia celebração como aquela desde os dias de Josué. Isso quer dizer que talvez a festa tivesse sido feita antes, mas não com aquele coração.

Aí está o ponto.

Tradição sem entendimento é só barulho. Costume sem entrega é só rotina. Ritual sem coração é só teatro.

Deus não estava procurando bons atores. Estava procurando filhos arrependidos. Não queria apenas muros restaurados. Queria vidas restauradas. Corações voltados para Ele, rendidos, obedientes, cheios de alegria verdadeira. Não aquela alegria passageira, mas a hedvah, a alegria que vem de saber que, mesmo com nossos pecados, a graça ainda nos alcança.

Hoje, talvez a gente também esteja com os muros no lugar. A agenda da igreja organizada. A vida aparentemente em ordem. Mas e o coração? Está inteiro diante de Deus? Ou só estamos mantendo tradições?

A Palavra continua viva. E Deus continua chamando. Não para que apenas mantenhamos formas externas de fé, mas para que o nosso interior seja reconstruído com verdade, arrependimento e amor.

Porque, no fim das contas, não basta apenas manter a tradição. É necessário restaurar o coração.


Soraya Mahmud Abdulhamid