Quando o Temor do Senhor Reconstrói Muros
Num tempo de muros derrubados e corações em escombros, levantou-se Neemias, um homem improvável para uma missão divina. Nomeado governador pelo rei Artaxerxes, ele possuía poder, recursos e o direito legal de exigir tributos. Mas Neemias não era como os outros. Desde o primeiro dia de seu mandato, decidiu não comer do pão do governador, renunciando à porção de autoridade que lhe era garantida. Seu motivo era claro, o temor do Senhor, yir’at 'Elohim, pulsava mais forte que qualquer desejo por privilégio. Foi esse temor, não o cargo, que moldou sua liderança.
Enquanto seus predecessores sobrecarregavam o povo com impostos e exigências, Neemias renunciava aos próprios direitos por amor e reverência. Não comprou terras, não explorou os pobres, não se assentou em tronos de distância. Pelo contrário, desceu aos escombros, trabalhou ao lado dos homens, carregou pedras, reuniu seus servos, e participou ativamente da reconstrução dos muros de Jerusalém.
Era um líder cuja força nascia do lugar secreto. Seu coração estava no povo, mas sua alma, firmada em Deus. Ao mesmo tempo em que liderava, orava. Suas decisões brotavam do jejum, da lágrima, da busca profunda por direção divina. Suas atitudes públicas refletiam a santidade cultivada na intimidade com o Senhor. O que o movia não era a pressão do cargo, mas a reverência a Deus.
Neemias sustentava cento e cinquenta pessoas à sua mesa, entre judeus e estrangeiros, com seus próprios recursos. Um boi, seis ovelhas escolhidas, aves e vinho eram servidos diariamente, não como ostentação, mas como expressão de generosidade nascida do temor. Sabia que a servidão do povo era grande, e por isso, em vez de pesar sobre ombros cansados, preferia aliviar as cargas. Seu sustento, que poderia ter sido legalmente exigido, foi recusado por consciência e compaixão. E, ao fim de cada dia, quando o silêncio caía sobre os portões restaurados, ele erguia os olhos e dizia: Zakhreli ‘Elohai letovah, Lembra-te de mim, ó meu Deus, para o meu bem, por tudo quanto fiz a este povo.
Essa oração revela o coração de quem lidera não para ser servido, mas para servir com temor. Neemias nos mostra que a verdadeira liderança que Deus levanta em nossas vidas nasce do compromisso com a vontade do Alto, não com os aplausos da terra. Deus não unge líderes apenas por suas habilidades, mas por sua disposição em se curvarem diante dEle. Ele levanta homens e mulheres que não se escondem atrás de títulos, mas se revelam em atitudes; que não buscam prestígio, mas presença; que não acumulam poder, mas carregam o povo com os próprios ombros.
A liderança que Deus estabelece não é feita de vaidade, mas de entrega. É moldada no secreto, testada no serviço e aprovada na obediência. Neemias nos ensina que, quando o temor do Senhor governa o coração, a autoridade se torna proteção, a influência se torna socorro, e o cargo se transforma em vocação.
Talvez hoje, mais do que nunca, Deus esteja procurando líderes assim, que chorem pelas ruínas, que se disponham a reconstruir, que sirvam sem buscar retorno e que orem não por glória, mas por memória:
Lembra-te de mim, ó meu Deus.
Porque os muros se erguem pelas mãos, mas os céus se movem pelo temor.
E Deus sempre se lembra de quem O teme.
Soraya M. Abdulhamid